terça-feira, 27 de setembro de 2011

Fábula - Perfis

por Alberto Ronconi


A B e C são funcionários públicos que não se conhecem, mas levam vidas similares. Durante a faculdade, se preocupavam mais em tirar boas notas, e fazer bem tudo o que lhes era pedido, do que com a ambição que alguns colegas tinham em relação ao mundo dos estágios. Quando se formaram perceberam que seu currículo não era o ideal para as empresas, e recebendo salários insatisfatórios dedicaram-se a concursos públicos. A tornou-se servidor federal, B foi para uma empresa pública e C para uma sociedade de economia mista. Todos motivaram-se muito nas palestras de apresentação de seus empregos, mas depois de algum tempo perceberam que não teriam uma carreira ultracompetitiva, intensa. Como não trocariam sua tranquilidade pela selva das empresas privadas, cada um decidiu dedicar-se com afinco a seus hobbies. A gostava de cinema. Entrou de cabeça nessa atividade, assistindo a pelo menos um filme por dia, e estava sempre alerta lendo as críticas profissionais e escrevendo comentários em fóruns especializados. No início encontrou muita novidade, e aquilo era o paraíso. Mas com o tempo as coisas foram se tornando repetitivas, mas ainda davam prazer. A catalogação dos filmes assistidos, junto com nomes do diretor, produtor, roteirista, etc. eram cansativas, mas era preciso continuar um trabalho iniciado anos atrás. B sentia prazer na leitura. Em um ano leu todas as obras do Stephen King. No outro dedicou-se a Sidney Sheldon. Depois passou para livros de outros países. Mais tarde pelos clássicos da literatura brasileira. Então decidiu ler todas as obras dos últimos vencedores do Nobel de literatura. Parecia que não acabava nunca: havia sempre muito mais para ler, mesmo que dos romances e contos lidos há poucos anos restasse apenas uma pequena lembrança - talvez em algum momento fosse hora de reler tudo. C era aficcionado por música. Cada minuto livre era dedicado a curtir o repertório preferido, e conhecer novos sons. Com o tempo passou a ler biografia das bandas, livros de história da música. Tornava-se cada vez mais um especialista no assunto. Não desconhecia música indiana, búlgara ou japonesa. Era quase uma obrigação buscar sempre novas informações, curiosidades e tendências. Todos os três passam 8 horas por dia em trabalhos monótonos, e à noite podem se dedicar àquilo que gostam. Quando estiverem velhos possuirão considerável experiência acumulada em seus hobbies, o que certamente lhes trará visão de mundo um pouco mais ampla.

D sempre trabalhou em uma empresa privada como administrador. Preocupado primordialmente em manter o emprego, para não se ver de ma hora para outra sem renda, dedicava-se ao máximo a fazer um bom trabalho, e jamais dar motivos de reclamação. Chegava em casa cansado e estressado, mas sempre com energia para acompanhar a única coisa que lhe tranquilizava de verdade: futebol. Deve ter assistido mais de 10 mil partidas durante a vida, e nos dias sem jogos ao vivo acompanhava as mesas de comentaristas. Sempre que podia ia ao estádio, e entre os amigos era reconhecido como um verdadeiro aficcionado. Aquilo tudo parecia sem sentido para algumas pessoas que olhavam de fora, mas para ele o trabalho é que não tinha sentido (que não ser o ganha pão), e aquilo era bom porque dava prazer.

Enquanto isso, E era jornalista e tinha horário flexível. Muitas vezes trabalhava em casa, o que era perfeito para levar a vida como gostava: viajando muito. Gabava-se de ter visitado todos os estados brasileiros e 3 continentes. Seu sonho maior no momento era ir à Antártida. Ao longo do tempo, conhecia profundamente os truques para comprar passagens com desconto, pegar trens em praticamente qualquer lugar do mundo, ou como encontrar hotel de baixo custo e qualidade aceitável. Escreveu um blog de viagens com número razoável de acessos, onde compartilhava suas experiências. Era conhecedor de hábitos linguísticos, alimentares e culturais de todos os cantos do planeta. Tinha muitas histórias de confusões para contar, pois já havia se perdido em mais de dez cidades com idiomas diferentes.

Finalmente, F era o que se podia chamar de generalista, e representava a maioria da população. Não tinha nenhum interesse particular, mas esporadicamente apreciava esportes, passeios, compras, shows. Em resumo buscava a diversão, embora inconscientemente e sem foco.

Todos eles na verdade dividiam a vida em 2 partes: trabalho chato remunerado e trabalho prazeroso não remunerado. Tornaram-se altamente experientes em burocracia e arte, administração e futebol, jornalismo e viagens. Da mesma forma, outros indivíduos viraram especialistas voluntários em jardinagem, ciclismo e artes marciais.

Nas proximidades de completar 70 anos, todos tiveram algo que talvez se possa chamar de compreensão súbita, iluminação, insight ou satori.

"Passei os melhores e mais numerosos anos da vida dedicados a meu empregador. Tudo isso foi para ter condições de levar uma vida boa, para aproveitar meu tempo livre com qualidade. Mas o que fiz da minha vida? Dediquei toda a energia que sobrou basicamente para este hobbie, que olhando agora é muito superficial perto de tudo o que eu poderia ter feito. Agora sou velho e aposentado, não tenho mais vontade nem fôlego para fazer intensamente o que deveria ter feito durante todo esse tempo. De que me vale ter assistido a tantas histórias que se repetem ciclicamente? Lido thrillers meticulosamente criados para prender a atenção? Escutado música burocraticamente? Saber que em certo ano tal time foi campeão, e no ano seguinte quem ganhou foi o rival? Conhecer milhares de lugares nos quais vivem pessoas com as mesmas qualidades e defeitos? Fazer de tudo um pouco sem muito critério, profundidade e objetivo? Dediquei minha vida para me inebriar com a ficção."

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ter ou ser? (revisitado)

por Alberto Ronconi


O lema da atualidade é: não acumular coisas, mas sim experiências. O importante não é mais ter, e sim ser.

Mas quais são as experiências que realmente valem a pena?

Preciso pelo menos uma vez na vida:
  • pular de paraquedas
  • tomar café num boulevard em Paris
  • visitar as pirâmides do Egito
  • curtir uma balada em Barcelona
  • passear com os amigos na Disney
  • comer gafanhoto no palitinho 
  • assistir a uma peça de Shakespeare
  • ouvir uma orquestra sinfônica internacional
  • ver todos os filmes do Fellini
  • ir ao Rock in Rio
  • presenciar uma corrida de F1
  • fazer aula de mergulho
  • voar de helicóptero
  • dirigir uma Ferrari
  • realizar uma fantasia sexual maluca
  • ir a todos os jogos do meu time em uma temporada
  • experimentar whisky 30 anos

É um engano achar que essas serão as "experiências da vida", que ampliam a visão de mundo e nos tornam pessoas "viajadas" ou "vividas". Pode ser que isso seja o consumismo de sempre - necessidades criadas por campanhas de marketing do século XXI.

Existem coisas muito mais complexas e profundas para se fazer, que em geral não requerem viagens para lugares distantes ou grandes dispêndios. Tocar em uma banda. Conseguir escrever uma poesia. Identificar os diferentes tipos psicológicos e conseguir fazer uma "penetração mental" nas pessoas. Conseguir fazer com que os outros se sintam à vontade quando estão conosco. Ser capaz de proferir um discurso. Compreender os fundamentos da física do nosso universo. Conhecer os grandes períodos da história do mundo e buscar entender o que motivou os indivíduos em cada época. Conhecer as próprias deficiências e as próprias possibilidades. Ser capaz de viver conscientemente. Ser forte o bastante para aproveitar os prazeres físicos sem se entregar a nenhum vício, como a comida, preguiça, etc. Sentir prazer ao apreciar arte. Encontrar o sentido da própria vida.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Qual o sentido da vida?

por Alberto Ronconi


Para os cristãos é buscar uma vida de sacrifício e sofrimento, que resultará na felicidade após a morte.

Para os existencialistas a vida ainda não tem sentido, e cada um precisa criar um para si mesmo.

Para os ateus é acumular conhecimentos e memórias que desaparecerão com o tempo (num instante, na escala de tempo cósmica).

Para os niilistas não há sentido no caos e no absurdo.

Para os espíritas é dedicar-se integralmente a ajudar aos outros.

Para alguns orientais é desprender-se de qualquer prazer dos sentidos.

Para os que praticam Logosofia é evoluir em direção à perfeição e tornar-se um servidor da humanidade.

Para muitos é criar bem seus filhos.

Para outros tantos é destacar-se da multidão anônima, obtendo sucesso profissional ou artístico, ou quebrando algum recorde.

Para ainda outros, é construir condições para uma aposentadoria tranquila.

Para alguns vaidosos, é cravar seu nome na história.

Para os consumistas é adquirir bens e experiências.

Para os errantes é estar sempre em trânsito.

Para os amantes da rotina e os inseguros é viver cada dia com a mesma certeza do nascer do sol.

Para os dependentes essa pergunta não faz sentido, só o que importa é o agora: satisfazer o vício.


Penso neste assunto com frequência, e certamente meu conceito vai mudando com o tempo. Para mim o sentido da vida é trabalhar. Trabalhar incansavelmente, permanentemente, de forma vitalícia. Mas não para uma corporação, associação ou burocracia. E sim pelo aperfeiçoamento, o próprio e o da humanidade. É só com o trabalho intenso que o descanso é prazeroso. É só com ele que há assunto verdadeiro no relacionamento com outras pessoas, tornando a convivência extremamente agradável.


Outras relações de possíveis sentidos para a vida:

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Fábula - E o Nobel vai para

por Alberto Ronconi


Este ano nasceram um milhão de ganhadores do prêmio Nobel.

Quatrocentos mil tiveram uma família desestruturada, que não criou condições de aprendizado, e foram desperdiçados.

Trezentos mil tinham pais que queriam uma vida melhor para os filhos, mas tiveram que começar a trabalhar aos 18 anos em áreas que não requeriam qualificação, para ajudar nas despesas. Permaneceram fazendo bicos por toda a vida.

Duzentos mil não precisariam trabalhar prematuramente, beneficiados pelo sacrifício dos pais. Mas nasceram em países ou regiões onde não havia oportunidades de estudo de mínima qualidade. Acabaram em atividades agrícolas ou com um modesto negócio próprio.

Cinqüenta mil tinham tudo para dar certo, mas foram influenciados pelos amigos e pela vida em grupo e mudaram completamente de área, geralmente com tendências comunistas, utópicas ou hedonistas. Ou viraram burocratas do governo.

Trinta mil tiveram acesso a boa educação. Mas sofriam de déficit de atenção (TDAH), e ao iniciarem mil atividades diferentes, não terminaram nenhuma. Acabaram supervalorizando suas múltiplas teorias simplórias, ficando ressentidos com o mundo pelo pouco reconhecimento.

Quinze mil aprenderam muito na escola, mas a timidez excessiva, ou em alguns casos até fobia social, os afastaram do convívio com seus pares, o que prejudicou possibilidades de destaque na vida.

Cinco mil possuíam todas as condições necessárias, mas doenças ou acidentes, com causas alheias a sua atuações, tiraram seu foco da carreira.

Quem acabou ganhando o Nobel foi um que não chamou qualquer atenção até a idade adulta, mas que tinha paixão pela área em que atuava, obsessão por atingir seus objetivos e, de alguma forma, certeza do sucesso. Sem jamais ter se interessado por leituras de auto-ajuda, programou sua mente para vencer.

sábado, 3 de setembro de 2011

Vencendo a barreira potencial

por Alberto Ronconi


Algumas vezes levamos a vida toda para corrigir algum defeito. Seja a timidez, alguma fobia ou uma crença errada. Adquirimos o problema na infância e o vencemos na velhice. Ou seja, sairemos do mundo do mesmo jeito que entramos. É necessário corrigir todos os defeitos que surgiram depois do nascimento e ir além, produzir algo útil, para deixar um saldo positivo.

O simples fato de nascermos e a confrontação entre nossas necessidades instintivas e a realidade do meio já petrificam deficiências em nossa personalidade. Deficiências essas que agirão como uma corrente contrária para que realizemos algo.

Mas o foco último deve ser no que fazemos de novo, no que transcendemos nós mesmos para criar habilidades novas ou pensamentos úteis que se propaguem pelo mundo.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Tem vezes que não gosto de nada

por Alberto Ronconi


Para que sair para beber e se divertir, se amanhã isso não fará muita diferença, como hoje não faz a diversão de ontem? Bons momentos do passado, ao serem recordados, fazem reviver em nós parte da felicidade experimentada, dirão alguns. Ou então apenas descobre-se que foi tudo superficial, chato e sem relevância. A verdadeira felicidade não está em viver mais do mesmo.

Preciso sair para comer algo saboroso para me sentir bem, preciso ver o próximo episódio do seriado para me sentir bem, preciso acessar sites de pornografia para me sentir bem. Tudo é uma grande mentira, nada disso dá prazer realmente, apenas serve para acalmar o vício por um tempo. O prazer só existe nas primeiras vezes que vivemos essas situações.

Um truque fácil para se sentir bem: ver que existem muitas pessoas numa situação pior que você. Se você não é da classe baixa num país sem saúde pública como os EUA, nem num país sem liberdade para navegar na internet como a China, nem na África, já estará melhor que muita gente. Se tem saúde, ou capacidade para ler e interpretar um texto, está melhor que tantos outros. Mas nada disso importa. O que importa é estar melhor que o vizinho do prédio, o colega de trabalho, o grupo de amigos, só isso nos dá tranquilidade.

Conforme se vai ficando velho, nada mais tem graça. Já consigo prever o final dos filmes, já conheço o sabor de praticamente todas as comidas à minha volta, já sei que a vida não beneficia sempre o mais esforçado. Não aguento mais ouvir os mesmo clichês. Sei que o dia-a-dia de trabalho não costuma ser tão legal como pintavam as matérias que estudei na escola e que muito me entusiasmaram. Futebol é sempre a mesma coisa: a longo prazo todos os times grandes terão sido muitas vezes campeões. Já notei há muito tempo que as propagandas na TV só apelam para o emocional. Que a maioria das pessoas ultra simpáticas que cruzam meu caminho estão na verdade tentando me vender algo. Já percebi que viajar para lugares glamurosos não tem nada demais: basicamente filas, ruas, pessoas. Estou ciente que os casos mais incríveis de coincidência que ouvimos falar são na verdade histórias ficcionais.

Em conclusão. Para uma criança tudo é legal. Para um jovem adulto alguma coisa é legal. Para um velho pouca coisa é novidade. Mas é assim mesmo. Extrair algo novo vai ficando sempre mais difícil, delicado, refinado, conforme avançamos. É necessário um esforço cada vez mais intenso e complexo para obter um avanço cada vez menor. Os atletas de alto desempenho, ou os músicos virtuosos devem viver essa situação com bastante claridade.