sábado, 13 de maio de 2023

O pensador

Era uma vez um homem cuja especialidade era pensar.

A mulher o convidava para fazerem atividades juntos, mas muitas vezes ele negava, pois ficaria em casa pensando.

Também era comum recusar quando os amigos o chamavam para confraternizações. Afinal ele trabalhava a semana toda, e quando tinha tempo livre, precisava aproveitar para pensar.

- Pensou muito hoje? - perguntava a mulher quando voltava para casa

- Sim, hoje foi bastante produtivo.

A mulher tinha orgulho do marido, pois claramente se diferenciava dos outros homens, que preferiam fazer atividades comuns, como churrasco ou jogar alguma coisa. Certamente era muito inteligente. Não conversava muito, provavelmente porque não gostava de assuntos banais.

Como a mulher tinha interesses mais mundanos, não perguntava muito para o marido como estava se desenvolvendo o seu raciocínio. Mas ela sabia que a qualquer momento ele faria algo grandioso, como uma descoberta ou uma iluminação filosófica.

Inclusive relatou para suas comadres que era casada com um gênio, que estava sempre pensando.

Não tardou até que uma das amigas, curiosa com a situação, interpelasse o nosso herói:

- Mas afinal, em que assunto você fica pensando tanto?

- Bem, em teorias científicas, metafísica, em como seria a vida ideal, essas coisas.

- Certo, mas o que especificamente você descobriu até agora? Me fale alguma coisa que você tenha pensado ultimamente.

- Eu gosto muito de pensar, mas não sou bom com discursos. Acho que não consigo traduzir para você o que eu já pensei. São assuntos muito complexos, que fazem sentido na minha mente, mas ainda não consigo transformá-los em palavras. Até se eu tentar escrever vai parecer algo superficial e inconsistente, inclusive meio clichê. Por isso prefiro continuar pensando, que é o que faço de melhor.


Filosofia dos hobbies


Hobbies como meio: você trabalha demais e precisa manter sua energia no máximo, pois qualquer inconsistência pode atrapalhar a escalada da ladeira corporativa. Os hobbies ajudam a desestressar (descompressão), e deixam você renovado para mais um dia intenso de trabalho. Eles são instrumentais, um pedágio que você precisa pagar para trabalhar bem, assim como comprar boas roupas de trabalho ou estudar para alguma certificação.

Hobbies como fim: você não gosta do trabalho, seja por ser um ambiente insalubre, por você se sentir preso fazendo a mesma atividade, ou porque você se sente gastando seu melhor tempo para beneficiar os patrões. Mas o que mantém sua motivação é saber que, ao fim do dia, poderá se dedicar ao seu hobby. Só isso já torna seu dia de trabalho mais agradável, sensação que só aumenta quando se aproxima o final de semana.

Profissionalização: o hobby é divertido quando é feito de forma amadora, sem qualquer compromisso com alto rendimento ou com monetização. Quando você abandonar seu trabalho normal e se dedicar apenas ao hobby, vai precisar se preocupar com consistência, fazer grandes esforços para pequenos melhoramentos, e não poderá deixar de lado as partes chatas do seu hobby. Ele se tornará um trabalho, trazendo junto vários dos problemas de seu trabalho antigo.

Paradoxo dos hobbies: quando você trabalha e tem um hobby, o momento dedicado ao hobby é muito prazeroso. Quando você se aposenta e pode se dedicar só aos seus hobbies, eles ficam tediosos.

O prazer está na alternância: é um clichê muito repetido o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, entre lazer e cuidados pessoais, entre balancear a dieta saudável com pequenos prazeres, exercício com descanso. Algumas pessoas veem a parte trabalhosa como um castigo, e a outra como recompensa. Ficam imaginando como seria bom a independência financeira para se dedicarem apenas às atividades prazerosas, como seria bom ter um metabolismo mágico para se dedicar apenas a comer o que gosta. Mas será que isso daria o mesmo prazer, ou o verdadeiro prazer está em experimentar as atividades boas como um oásis para contrastar com as trabalhosas? O prazer está no lazer, ou então se confunde com o alívio que só existe após o esforço?


sábado, 14 de setembro de 2019

O que é resvalar?


As notícias que são veiculadas todos os dias sobre situações trágicas podem nos deixar muito tristes. Ainda que em escala muito reduzida, por algum tempo sentimos uma tristeza imaginando o que deve estar acontecendo com os outros. Se assistirmos TV ou lermos notícias com frequência, isso pode acontecer todos os dias. Ficamos em estado semipermanente de tristeza pelo sofrimento dos outros e com medo que aconteça algo com as pessoas que amamos.

Não podemos simplesmente querer ignorar estes fatos, pois eles realmente acontecem. Mas como agir?

É possível resvalar para um mundo sem a presença constante do sofrimento que está em todos os lugares?

Existem os embriagados por algo que reduz a intensidade dos pensamentos, os hipnotizados por alguém de carisma, os hedonistas (no sentido moderno) que estão como um alquimista em busca do que pode levar à próxima sensação de bem-estar. Os que acalmam a ansiedade resolvendo pequenos desafios. Existem os naturalmente otimistas, que enxergam a esperança de um futuro melhor. Os que vivem normalmente quando a sorte está ao seu lado.

Existem pessoas que se colocam em uma missão, que querem resolver um problema de longo prazo, que passam o tempo livre pensando em diferentes abordagens para melhorar ou criar algo. Há grandes problemas cuja solução (ou uma pequena parte dela) demora toda uma vida. Ser o melhor possível em algum esporte de resistência? Lutar por alguma causa ambiental, social, científica, humanitária? Convergir o foco para a criatividade, para revolucionar algo que esteja arraigado? Se inspirar no conceito do "super homem" filosófico?

Existem os estoicos, que voluntariamente se esforçam para ir contra sua tendência natural e tentam resvalar para um mundo sem expectativas.

Existem os meditadores, que treinam a mente para silenciar, e não ficar frequentemente direcionada para sentir o que percebem do sofrimento do mundo.

Existem os que buscam serenidade ou eternidade na arte.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Desabafo do generalista amador

"Jack of all trades, master of none"

Às vezes esqueço que sou uma pessoa de inteligência normal. O homem renascentista é um ideal restrito para os gênios. Tenho algumas ambições que não cabem no tempo de uma vida.

Se uma das coisas mais importantes é o conhecimento, e temos tanto dele disponível por aí, não tem como não querer saber sobre tudo. Ler, entender, e ser capaz de citar os grandes romances brasileiros e mundiais. Conhecer biologia, anatomia, como funciona o nosso cérebro. Física clássica, mecânica quântica e cosmologia. Filosofia antiga, da mente e da matemática. Hedonismo, existencialismo, conservadorismo clássico. Finanças, macroeconomia e econometria. Programação em Python e ciência de dados. Ser capaz de apreciar música, poesias e pinturas. Escrever bem e falar bonito em público. Cozinhar, ser bom em um esporte e no videogame. Dominar a profissão que exerço. Conseguir desestressar, saber meditar.

Para cada um desses itens, há pessoas que dedicam quase a vida toda. São sumidades em uma ou duas áreas e leigos nas demais. Mas como posso abrir mão de tantos assuntos charmosos, necessários para que eu seja uma pessoa completa?

Bom, é só pensar que, se até agora ainda não passei da superfície, e tudo o que consegui foi listar o que quero aprender, no restante da minha vida é que não vou dominar tudo isso.

Será que tenho que escolher só um tema para me aprofundar, e por meio dele sentir a beleza de tudo? Ou então me contentar com o conhecimento geral básico, no nível de um programa de auditório de perguntas? Ou ainda abandonar essa ideia e viver uma vida comum, como a maioria das pessoas?

Será que o que busco não é só o resultado (ser uma referência, admirado, ovacionado)? Não é simular a vida daqueles que são sumidades em algo? Dizem que devemos querer o caminho, e não o fim. Ou que o sucesso é consequência de fazer o que nos atrai, mas não acontece se ele for o próprio objetivo.

As bibliotecas e livrarias me oprimem. As enciclopédias online, com suas intermináveis cadeias de links, me oprimem. O mesmo com os aplicativos de podcast, as aulas online, e a infinita lista de atividades presenciais disponíveis. Abarcar pouco é não abarcar nada. É conhecer uma gota que pode não ter intersecção com a que outras pessoas conhecem.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Circunstancial vs. abstrato

Prático: Hoje preciso assistir ao jornal. Parece que o presidente fez um discurso que foi considerado muito polêmico por determinados grupos.

Teórico: Como você consegue se preocupar com isso quando há tantas questões mais amplas em aberto? Por exemplo, todos os átomos do Universo são só 5% da matéria que existe, e não fazemos ideia do que é o restante. Indo mais longe: não sabemos se existem outros Universos paralelos ao que conhecemos, o que poderia mudar o modo como enxergamos nossa existência. Nem temos ideia se existe vida em outros planetas da nossa própria galáxia!

Prático: É verdade. Mas não consigo me importar mais com isso do que com as coisas que acontecem no meu próprio país, e ainda por cima neste dia, que é exatamente quando estou assistindo ao jornal!

Teórico: O ser humano existe há pelo menos 100 mil anos. Pode ser uma coincidência estarmos aqui justamente hoje... Poderíamos muito bem ter nascido mil anos no passado, quando não existia televisão ou presidente, ou mil anos para o futuro, quando haverá preocupações muito diferentes das que agora nos inquietam. Por isso não consigo dedicar tanta preocupação para o que acontece especificamente hoje e neste país. Situações semelhantes podem estar se passando aos montes com presidentes ao redor do mundo, agora mesmo. E isso não te preocupa?

Prático: Acho que não, porque eu só conheço o presidente deste país... Quanto aos mandatários anteriores, já esqueci o que aconteceu de insignificante, e isso não me interessa mais. Por que vou me preocupar com o que ficou no passado se posso ver o que ocorre neste exato momento?

Teórico: Mas você não percebe que somos uma entre 7 bilhões de pessoas que ficam perambulando em um planeta sem saber exatamente para quê? Que somos produto da evolução natural, e por isso muitas de nossas preferências e comportamentos são iguais aos dos homens da caverna ou até dos animais primitivos? Que passamos boa parte do dia trabalhando para sobreviver, enquanto evitamos pensar que não estaremos aqui dentro de um século? Ou que, daqui a mil anos, todas as marcas que deixarmos no mundo terão desaparecido?

Prático: Acho que é infrutífera a busca do sentido da vida como um fim em si mesmo. É um desafio teórico que nenhum sábio resolveu até hoje, por isso considero perda de tempo querer que meu objetivo seja entender o propósito do mundo. Prefiro resolver pequenos problemas práticos, que além de me trazerem o benefício do resultado, me dão prazer enquanto desafio, já que os seres humanos sentem grande satisfação quando encontram a solução para algo. Claro que os problemas a que me referi são insignificantes para o curso da humanidade, e principalmente do Universo. Mas enquanto tenho esses modestos prazeres, os pesquisadores mais ambiciosos, que buscam a grande resposta para a grande questão, têm que se satisfazer com a esperança de que em algum momento outra pessoa faça uma pequena descoberta.

Teórico: As pessoas passam a vida mirando os pequenos prazeres da comida, das viagens, da realização no trabalho, mas esquecem que esse modo de vida pode ser apenas circunstancial, pois não é o mesmo adotado pelas antigas civilizações, e nem mesmo por pessoas de outros países no mundo contemporâneo. Como saber se este é o modo certo de viver, quando existem tantos outros? Quem disse que não deveríamos fazer um voto de pobreza, ou então passar o dia meditando, ou ainda caçar como o homem das cavernas para ter uma vida boa? Como as pessoas conseguem viver sendo um produto de seu local e sua época, sem perceberem que seria uma grande sorte se o modo de vida que levam for o certo?

Prático: Eu só procuro me encaixar bem na nossa sociedade atual, viver tranquilamente de acordo com as condições que existem para nós. Imagine o trabalho que daria para viver cultivando a pobreza ou meditando? Seria normal em outras circunstâncias, mas acho que devo me adaptar ao mundo como ele é agora, de forma a aproveitar bem o que está disponível e não me revoltar com a eventual superioridade de outras possibilidades. Posso encarar a rotina da minha vida, como por exemplo cortar a grama, ou até mesmo pegar o ônibus todos os dias para o trabalho, também como uma meditação - pois consigo experimentar calma nessa repetição monótona e eterna, justamente por realizar as atividades sem ficar a cada momento buscando uma justificativa elevada demais para aquilo que estou fazendo. Para quem tenta enxergar o todo, isso pode parecer um comportamento de uma pessoa alienada. Mas minha filosofia particular é viver como se só existissem as coisas e pessoas que estão ao meu redor, de forma que toda a realidade seja a minha pequena rotina.

Teórico: Para mim o melhor que posso fazer é buscar o conhecimento, pois, se Newton enxergou longe ao subir no ombro dos gigantes que o precederam, e hoje podemos enxergar mais longe que Newton por estarmos em cima de uma verdadeira pirâmide humana, precisamos fazer o possível para elevar ainda mais a posição dos nossos sucessores. Quem sabe os humanos do futuro compreendam o verdadeiro motivo da vida, e possam então viver de acordo com ele. Assim poderiam ser mais felizes do que nós.

Prático: Eu acho que uma boa vida depende bastante de não se ter grandes expectativas. Viver a repetição diária, sem esperar encontrar no fim uma grande recompensa que justifique magicamente todo o esforço que fizemos, pode ser um caminho para sentir a felicidade, ou pelo menos alguma leveza e despreocupação todos os dias. Pode ser exagero achar que todo esforço será recompensado. Por isso a solução que encontrei é realizar esforços que causem prazer em si mesmos, ainda que pequenos, e não que sejam só um bilhete de loteria para um grande prêmio muito difícil de ocorrer.

Teórico: Não sei exatamente se é por usar a razão, ou se é justamente por ter um sentimento que me impede de usar plenamente a razão, mas simplesmente não consigo esquecer de todas as possibilidades em outros lugares e tempos e focar apenas no que se realizou para uma pessoa medíocre como eu. Será que a realização humana seria tão intensa se não fossem pessoas obstinadas, inquietas, insatisfeitas com tudo o que têm, e que foram capazes de inventar soluções improváveis responsáveis por melhorar de modo inimaginável nosso modo de vida? Que é quase uma arte contemplativa examinar nosso livre arbítrio e especular que podemos estar sendo apenas uma resposta natural às restrições impostas pelos genes e pela nossa sorte de encontrar bons exemplos?

Prático: Também comigo, acho que é um sentimento o que me impulsiona a enxergar a tranquilidade nos rituais do dia a dia, naquelas tarefas que parecem insignificantes mas, se analisadas posteriormente, me fizeram experimentar momentos de alegria pela simples existência do mundo, que é belo independente do motivo pelo qual o Universo surgiu ou de como nossa mente se tornou o que é. Talvez estejamos falando de dois modos de vida contraditórios entre si, mas sem que nenhum deles esteja errado na essência. Fora a possibilidade de um potencializar o outro - até individualmente, se uma mesma pessoa ao longo da vida experimentar ambos.


domingo, 3 de fevereiro de 2019

Ideias aleatórias


O meta é enfadonho?

Músicas sobre música
Poesias sobre poesia
Histórias sobre escrever, escritores ou bloqueio criativo

Filosofia sobre os limites da filosofia
Arte nonsense para redefinir o que é arte
Matemática pura

Você vai no curso de línguas
Para aprender a história e origens dos radicais
Ou para aprender a falar?

Não há mais beleza na abstração?
Uma poesia abstraindo que se trata de uma poesia
Uma arte que você acha bela sem precisar ficar lembrando que é arte
Um curso de línguas em que você não se sente em um curso de línguas



Ideias aleatórias

As crianças não sabem quase nada
E por isso acham que sabem tudo

Os adolescentes aprendem algumas coisas
E aí sim acham que sabem tudo

Os velhos sabem muita coisa
E por isso acham que não sabem nada



Como ser aclamado pela crítica

É só contar uma história
Sobre pessoas vividas, experientes, respeitadas
Que no fim percebem não ter aprendido nada
Aprendido que a ignorância da sabedoria é quase igual à ignorância da juventude
Com a desvantagem de você não poder voltar atrás porque já sabe o final

sábado, 19 de janeiro de 2019

Geral vs. particular


Técnico: percebo um encadeamento sequencial dos esforços que fiz na vida. Primeiro aprendi a falar. Isso me possibilitou aprender a ler. Em seguida, mergulhei nos livros do assunto que descobri gostar, então fui para a faculdade, em um curso nesta linha. Depois, nisto vivi experiências práticas no trabalho; continuo lendo para conhecer novas ideias, participo de eventos com pessoas da mesma área que vêm de todos os lugares, onde cada um discute sua perspectiva e mostra os avanços que fez. Desta forma, tenho décadas de experiência em um tema e posso dar uma contribuição concreta para a humanidade, apresentar algo de novo que vai beneficiar a vida das pessoas, ao mesmo tempo que tudo servirá de base para os que virão avançar depois de mim

Filósofo: já eu também aprendi a falar e ler. Na escola, tinha algum interesse por todos os assuntos, mas não conseguia escolher nenhum como preferido. Na faculdade, naturalmente fiz um curso específico, mas, ao contrário de alguns colegas, não conseguia me desligar das outras possibilidades do mundo. Hoje, trabalho em uma área diferente daquela que estudei. Percebo que alguns colegas se dedicam profundamente a algum tema ligado à carreira, que pode levá-los a ser muito disputados. Já eu, sempre que posso, acabo lendo sobre assuntos de interesse pessoal que não têm contribuição direta na minha produtividade, de forma que não sinto estar investindo para lapidar alguma habilidade específica.

Técnico: eu já tive alguma tendência a isso também. Mas logo percebi que não me sentia confortável em um mundo diferente do meu. Primeiro, cada grupo tem seus jargões, seus métodos específicos. Seria um esforço hercúleo tentar dominar profundamente uma matéria que não conheço. Depois, o tempo que eu dedicaria em outra área não seria aproveitado para alavancar meus conhecimentos no meu campo. É quase como a teoria econômica: investindo naquilo que já sei me torno ainda mais único, como se fossem juros sobre juros, e investindo em algo que não domino, teria apenas um pouco de conhecimento geral a mais, não me diferenciando da massa.

Filósofo: percebo isso, e tenho consciência de que nunca chegarei a ser um às em nenhuma matéria, nunca ganharei milhões por deter algum conhecimento raro e cobiçado. Entretanto, não posso negar que me dá prazer conhecer o básico de cada coisa. É quase como a sensação de satisfação que temos ao acalmar alguma coceira no corpo. Quando começo a ir muito fundo em um assunto, sinto-me puxado para aqueles temas que abandonei, como se o mundo estivesse acontecendo lá fora e eu preso em um mesmo lugar. Tudo me puxa ao mesmo tempo, noto até ansiedade ao não poder abarcar as várias possibilidades concomitantemente.

Técnico: já o meu prazer vem de eu ser considerado raro, de tudo aquilo que construí pacientemente me colocar num lugar privilegiado, inacessível para maioria das pessoas. A satisfação de que me privei ao não conhecer várias coisas é compensada pela sensação de haver montado um castelo que não pode ser alcançado pelos concorrentes, já que estou alguns anos à frente da maioria deles.

Filósofo: percebo que há mistérios profundos que você domina e eu jamais teria a pretensão de conhecer. Da mesma forma, existem mistérios simples, dos mais variados tipos, dos quais posso dizer que tenho um conhecimento razoável, mas que não enxergaria se tivesse me dedicado a um único tema. Realmente não consigo me imaginar sem ter essa visão geral das coisas, que muitas vezes parecem se conectar e dar origem a uma compreensão integrada do mundo, ainda que certamente eu ignore dimensões inteiras.

Técnico: para mim é natural me concentrar longamente em um único problema; sinto o que dizem ser o "fluxo", e as horas passam sem eu o perceber. Também não ignoro a sensação boa que surge quando faço um avanço.

Filósofo: já eu às vezes me pergunto se não tenho algum déficit de atenção, pois sempre que me atenho a um assunto por mais que certo tempo, já sinto a necessidade de mudar de ares. Mas, também acho que posso contribuir com o mundo, se conseguir me dedicar a um projeto por tempo suficiente para produzir algo inspirador, ou que ajude as pessoas comuns a, de maneira leve, enxergar as coisas de modo mais conectado e abrangente...

Técnico: muitos acham que tenho uma vida invejável, que fiz tudo como deveria ser feito. Sem dúvida estou em uma posição respeitável. Também não posso reclamar financeiramente, pois sempre haverá alguma demanda pelo que posso oferecer.

Filósofo: como não ultrapasso o nível intermediário em qualquer assunto, percebo que sempre há alguém que sabe mais que eu. Desta forma, acabo não dando a palavra final nos debates, já que alguém com conhecimentos mais completos sempre tem alguma coisa mais a oferecer. Também no trabalho não me encontro em vantagem competitiva, uma vez que aquilo que sei fazer muitos também o fazem da mesma forma. Mesmo assim, buscar conhecer todos os aspectos do mundo, para tentar ligá-los, e com isso conseguir pensar sobre as grandes questões humanas, é algo de que não consigo abrir mão. Saciar a minha sede acaba sendo o meu trabalho, meu energético e minha recompensa..