Prático: Hoje preciso assistir ao jornal. Parece que o presidente fez um discurso que foi considerado muito polêmico por determinados grupos.
Teórico: Como você consegue se preocupar com isso quando há tantas questões mais amplas em aberto? Por exemplo, todos os átomos do Universo são só 5% da matéria que existe, e não fazemos ideia do que é o restante. Indo mais longe: não sabemos se existem outros Universos paralelos ao que conhecemos, o que poderia mudar o modo como enxergamos nossa existência. Nem temos ideia se existe vida em outros planetas da nossa própria galáxia!
Prático: É verdade. Mas não consigo me importar mais com isso do que com as coisas que acontecem no meu próprio país, e ainda por cima neste dia, que é exatamente quando estou assistindo ao jornal!
Teórico: O ser humano existe há pelo menos 100 mil anos. Pode ser uma coincidência estarmos aqui justamente hoje... Poderíamos muito bem ter nascido mil anos no passado, quando não existia televisão ou presidente, ou mil anos para o futuro, quando haverá preocupações muito diferentes das que agora nos inquietam. Por isso não consigo dedicar tanta preocupação para o que acontece especificamente hoje e neste país. Situações semelhantes podem estar se passando aos montes com presidentes ao redor do mundo, agora mesmo. E isso não te preocupa?
Prático: Acho que não, porque eu só conheço o presidente deste país... Quanto aos mandatários anteriores, já esqueci o que aconteceu de insignificante, e isso não me interessa mais. Por que vou me preocupar com o que ficou no passado se posso ver o que ocorre neste exato momento?
Teórico: Mas você não percebe que somos uma entre 7 bilhões de pessoas que ficam perambulando em um planeta sem saber exatamente para quê? Que somos produto da evolução natural, e por isso muitas de nossas preferências e comportamentos são iguais aos dos homens da caverna ou até dos animais primitivos? Que passamos boa parte do dia trabalhando para sobreviver, enquanto evitamos pensar que não estaremos aqui dentro de um século? Ou que, daqui a mil anos, todas as marcas que deixarmos no mundo terão desaparecido?
Prático: Acho que é infrutífera a busca do sentido da vida como um fim em si mesmo. É um desafio teórico que nenhum sábio resolveu até hoje, por isso considero perda de tempo querer que meu objetivo seja entender o propósito do mundo. Prefiro resolver pequenos problemas práticos, que além de me trazerem o benefício do resultado, me dão prazer enquanto desafio, já que os seres humanos sentem grande satisfação quando encontram a solução para algo. Claro que os problemas a que me referi são insignificantes para o curso da humanidade, e principalmente do Universo. Mas enquanto tenho esses modestos prazeres, os pesquisadores mais ambiciosos, que buscam a grande resposta para a grande questão, têm que se satisfazer com a esperança de que em algum momento outra pessoa faça uma pequena descoberta.
Teórico: As pessoas passam a vida mirando os pequenos prazeres da comida, das viagens, da realização no trabalho, mas esquecem que esse modo de vida pode ser apenas circunstancial, pois não é o mesmo adotado pelas antigas civilizações, e nem mesmo por pessoas de outros países no mundo contemporâneo. Como saber se este é o modo certo de viver, quando existem tantos outros? Quem disse que não deveríamos fazer um voto de pobreza, ou então passar o dia meditando, ou ainda caçar como o homem das cavernas para ter uma vida boa? Como as pessoas conseguem viver sendo um produto de seu local e sua época, sem perceberem que seria uma grande sorte se o modo de vida que levam for o certo?
Prático: Eu só procuro me encaixar bem na nossa sociedade atual, viver tranquilamente de acordo com as condições que existem para nós. Imagine o trabalho que daria para viver cultivando a pobreza ou meditando? Seria normal em outras circunstâncias, mas acho que devo me adaptar ao mundo como ele é agora, de forma a aproveitar bem o que está disponível e não me revoltar com a eventual superioridade de outras possibilidades. Posso encarar a rotina da minha vida, como por exemplo cortar a grama, ou até mesmo pegar o ônibus todos os dias para o trabalho, também como uma meditação - pois consigo experimentar calma nessa repetição monótona e eterna, justamente por realizar as atividades sem ficar a cada momento buscando uma justificativa elevada demais para aquilo que estou fazendo. Para quem tenta enxergar o todo, isso pode parecer um comportamento de uma pessoa alienada. Mas minha filosofia particular é viver como se só existissem as coisas e pessoas que estão ao meu redor, de forma que toda a realidade seja a minha pequena rotina.
Teórico: Para mim o melhor que posso fazer é buscar o conhecimento, pois, se Newton enxergou longe ao subir no ombro dos gigantes que o precederam, e hoje podemos enxergar mais longe que Newton por estarmos em cima de uma verdadeira pirâmide humana, precisamos fazer o possível para elevar ainda mais a posição dos nossos sucessores. Quem sabe os humanos do futuro compreendam o verdadeiro motivo da vida, e possam então viver de acordo com ele. Assim poderiam ser mais felizes do que nós.
Prático: Eu acho que uma boa vida depende bastante de não se ter grandes expectativas. Viver a repetição diária, sem esperar encontrar no fim uma grande recompensa que justifique magicamente todo o esforço que fizemos, pode ser um caminho para sentir a felicidade, ou pelo menos alguma leveza e despreocupação todos os dias. Pode ser exagero achar que todo esforço será recompensado. Por isso a solução que encontrei é realizar esforços que causem prazer em si mesmos, ainda que pequenos, e não que sejam só um bilhete de loteria para um grande prêmio muito difícil de ocorrer.
Teórico: Não sei exatamente se é por usar a razão, ou se é justamente por ter um sentimento que me impede de usar plenamente a razão, mas simplesmente não consigo esquecer de todas as possibilidades em outros lugares e tempos e focar apenas no que se realizou para uma pessoa medíocre como eu. Será que a realização humana seria tão intensa se não fossem pessoas obstinadas, inquietas, insatisfeitas com tudo o que têm, e que foram capazes de inventar soluções improváveis responsáveis por melhorar de modo inimaginável nosso modo de vida? Que é quase uma arte contemplativa examinar nosso livre arbítrio e especular que podemos estar sendo apenas uma resposta natural às restrições impostas pelos genes e pela nossa sorte de encontrar bons exemplos?
Prático: Também comigo, acho que é um sentimento o que me impulsiona a enxergar a tranquilidade nos rituais do dia a dia, naquelas tarefas que parecem insignificantes mas, se analisadas posteriormente, me fizeram experimentar momentos de alegria pela simples existência do mundo, que é belo independente do motivo pelo qual o Universo surgiu ou de como nossa mente se tornou o que é. Talvez estejamos falando de dois modos de vida contraditórios entre si, mas sem que nenhum deles esteja errado na essência. Fora a possibilidade de um potencializar o outro - até individualmente, se uma mesma pessoa ao longo da vida experimentar ambos.