quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Possíveis armadilhas psicológicas

Vem ganhando espaço na divulgação científica o avanço de áreas como a Neurociência Cognitiva. Dentre inúmeras descobertas e constatações, estão os viéses cognitivos, que inconscientemente podem moldar nosso modo de pensar. Alguns exemplos:

Viés de confirmação é uma tendência das pessoas em favorecer as informações que confirmem suas crenças ou hipóteses. Os indivíduos apresentam este viés quando obtêm ou lembram de informação de forma seletiva, ou quando a interpretam de maneira viesada. Este efeito é mais forte em relação a assuntos com maior carga emocional ou crenças profundamente enraizadas. As pessoas também tendem a interpretar evidências ambíguas como favoráveis aos seus conceitos preexistentes.

Dissonância cognitiva é o desconforto experimentado quando se mantêm simultaneamente duas ideias, crenças, valores ou reações emocionais que sejam conflitantes entre si. Num estado de dissonância, as pessoas podem sentir frustração, temor, culpa, raiva, embaraço, ansiedade, etc. A teoria da dissonância cognitiva na psicologia social propõe que temos um incentivo emocional para reduzir a dissonância, seja modificando as crenças existentes ou adicionando novas, para criar um sistema de conceitos consistente.

Uma ilustração clássica da dissonância cognitiva é encontrada na fábula "A Raposa e as Uvas", de Esopo. Na história, uma raposa vê uvas em uma parreira alta e deseja comê-las. Mesmo tentando alcançá-las de todas as maneiras possíveis, não obtém sucesso. Então, a raposa decide que as uvas não valem a pena, pois provavelmente estão verdes. Neste caso, o desdém da raposa pelas uvas serve pelo menos para diminuir a dissonância cognitiva.

Raciocínio motivado leva as pessoas a confirmar aquilo em que já acreditavam, ignorando dados em contrário (assim como no viés de confirmação). Adicionalmente, faz as pessoas desenvolverem explicações elaboradas para justificar a defesa de conceitos que a lógica e a evidência mostram estarem incorretos. O raciocínio motivado responde defensivamente à evidência contrária, ativamente desacreditando tal evidência ou sua fonte sem uma justificativa baseada em lógica ou dados. É possível que o raciocínio motivado seja fruto de um desejo de evitar a dissonância cognitiva - a auto-ilusão faz as pessoas sentirem-se bem, e isto as induziria a inconscientemente defender veementemente suas opiniões, não necessariamente verdadeiras.

Este tema também é tratado no contexto dos mecanismos de defesa da psicologia. Por exemplo, na racionalização procura-se justificar situações indesejáveis com argumentos lógicos que evitam a verdadeira explicação. Quando se quer algo e não se consegue, possíveis racionalizações seriam desdenhar daquilo que se queria (uvas verdes) ou pensar que o fracasso pode ser na verdade uma vantagem (limões doces).

Trechos de Livros - Subliminar, de Leonard Mlodinow

Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 43)
O sistema sensorial do homem envia ao cérebro cerca de 11 milhões de bits de informação por segundo. A verdadeira quantidade de informação com que podemos lidar foi estimada em algo entre dezesseis e cinquenta bits por segundo. Portanto, se nossa mente consciente tentasse processar toda essa informação enviada pelo
sistema sensorial, nosso cérebro travaria, como um computador sobrecarregado. Além do mais, mesmo sem perceber, tomamos muitas decisões por segundo. A evolução nos deu uma mente inconsciente porque é ela que permite nossa sobrevivência num mundo que exige assimilação e processamento de energia tão maciços. Percepção sensorial, capacidade de memória, julgamentos, decisões e atividades do dia a dia parecem não exigir esforço – mas isso só porque o esforço demandado é imposto sobretudo a partes do cérebro que funcionam fora do plano da consciência.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 44)
Supondo que você seja um bom jogador de xadrez, com grande conhecimento de todos os movimentos e estratégias possíveis, e que esteja bem concentrado, será que esse pensamento consciente força a mente consciente no mesmo grau que a corrida exige dos músculos? Não. Nem chega perto. Uma concentração profunda faz com que o consumo de energia do seu cérebro aumente mais ou menos 1%. Independentemente do que estiver fazendo com a sua mente consciente, é o inconsciente que domina sua atividade mental – e portanto usa a maior parte da energia consumida pelo cérebro. Sua mente consciente pode estar ociosa ou engajada, mas sua mente inconsciente está trabalhando duro no equivalente mental de flexões, agachamentos e corridas.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 56)
Confiar nos instintos sem ter uma base lógica e concreta para eles costumava ser difícil para mim, mas a experiência me curou. Todos nós somos um pouco como o paciente TN, cegos para certas coisas, mas alertados pelo nosso inconsciente para desviar para a esquerda e a direita. Esses conselhos podem nos salvar, se estivermos dispostos a nos abrir para a informação.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 71)
A visão tradicional da memória, que persiste na maioria de nós, é que ela é como um arquivo de filmes no disco rígido de um computador. Esse conceito de memória é semelhante à analogia de uma simples câmera de vídeo, e tão equivocado quanto. Na visão tradicional, o cérebro grava um registro preciso e completo de eventos; se você não lembra, é porque não consegue (ou não quer) encontrar o arquivo do filme certo ou porque o disco rígido foi corrompido de alguma forma.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 216-222)
Não trememos porque estamos zangados nem choramos porque nos sentimos tristes; nós tomamos ciência de que estamos zangados porque trememos, nos sentimos tristes porque choramos. (…) As emoções, na perspectiva neojamesiana atual, são como percepções e memórias – reconstruídas a partir dos dados disponíveis. Muito desses dados vêm da mente inconsciente, à medida que ela processa estímulos ambientais captados por seus sentidos e cria uma resposta psicológica. O cérebro também emprega outros dados, como convicções e expectativas preexistentes e informações sobre as circunstâncias correntes. Toda essa informação é processada, produzindo um sentimento consciente de emoção. (…) Se as emoções são construídas a partir de dados limitados, e não pela percepção direta, semelhante à forma como visão e memória são construídas, então, assim como a percepção e a memória, deve haver circunstâncias em que a maneira pela qual a mente preenche as lacunas nos dados resulta em “entender errado”. A consequência seriam “ilusões emocionais”, análogas a ilusões de ótica ou memória. Vamos supor, por exemplo, que você tenha os sintomas fisiológicos de agitação emocional sem qualquer razão aparente. A resposta lógica seria pensar: “Ué, meu corpo está sentindo alterações fisiológicas inexplicáveis sem motivo aparente. O que está acontecendo?” Mas vamos além e imaginemos que, quando você vive essas sensações, elas ocorrem num contexto que o estimula a interpretar sua reação como resultado de alguma emoção – digamos, medo, raiva, felicidade ou atração sexual -, mesmo que não haja uma causa real para essa emoção. Nesse sentido, sua experiência seria uma ilusão emocional. (…) Há muito tempo os professores de ioga vêm dizendo: “Acalme seu corpo, acalme sua mente.” A neurociência social agora fornece evidências que apoiam essa receita. De fato, alguns estudos vão além e sugerem que assumir ativamente o estado de uma pessoa feliz – digamos, forçar um sorriso – pode fazer você se sentir realmente mais feliz.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 250)
Em um estudo, os participantes avaliaram currículos de um homem e de uma mulher para o cargo de chefe de polícia. Essa é uma posição tipicamente masculina, por isso os pesquisadores imaginaram que os participantes favoreceriam o pretendente do sexo masculino e restringiriam os critérios pelos quais poderiam julgar os candidatos levando esse fato em conta. Eis como o estudo funcionou. Havia dois tipos de currículo. Os pesquisadores projetaram o primeiro para retratar um indivíduo tarimbado, com formação acadêmica limitada e falta de capacidade administrativa. O segundo corresponderia a um tipo sofisticado, de boa formação e boas ligações políticas, mas com pouca vivência nas ruas. Alguns dos participantes receberam um par de currículos em que o candidato homem tinha o currículo de alguém tarimbado nas ruas, e o feminino, de alguém sofisticado. Outros receberam o par de currículos em que os pontos fortes do homem e da mulher estavam invertidos. Os participantes não deveriam só fazer a escolha, mas também justificá-la. O resultado mostrou que, quando o candidato masculino tinha um currículo de experiência nas ruas, os participantes decidiam que era o critério importante para o trabalho e o escolhiam; contudo, quando o candidato homem tinha o currículo sofisticado, eles decidiam que a experiência mundana era algo superestimado, e também escolhiam o homem. Todos nitidamente tomavam suas decisões baseados em gênero, e não na diferença entre experiência nas ruas e sofisticação; mas não estavam conscientes de fazer isso. Aliás, quando indagados, nenhum dos sujeitos mencionou o gênero como motivo influente.
Leonard Mlodinow (Subliminar, p. 253)
A sutileza de nossos mecanismos de raciocínio nos permite manter nossas ilusões de objetividade mesmo quando enxergamos o mundo através de lentes parciais. Nossos processos de tomada da decisão vergam mas não quebram as regras habituais. Costumamos nos ver como formadores de julgamentos de baixo para cima, lançando mão de dados para chegar a uma conclusão, quando na verdade decidimos de cima para baixo, recorrendo à nossa conclusão preferida para moldar a análise dos dados. Quando aplicamos o raciocínio motivado nas avaliações acerca de nós mesmos, produzimos essa imagem positiva de um mundo em que estamos todos acima da média. Se somos melhores em gramática que em aritmética, damos ao conhecimento linguístico mais peso e importância; mas se formos bons em somar e subtrair, e ruins em gramática, pensamos que a aptidão na linguagem não é tão crucial. Se somos ambiciosos, determinados e persistentes, acreditamos que pessoas objetivas são os líderes mais eficientes; contudo, se nos vemos como acessíveis, amistosos e extrovertidos, sentimos que os melhores líderes são tipos mais subjetivos.