quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Ciência é o que você sabe, filosofia é o que você não sabe

O título deste texto é uma frase de Bertrand Russell. Vamos nos basear nela para descrever uma ideia.

Iniciemos com a filosofia da mente. É uma área de estudo com registros desde a Grécia Antiga, pois as pessoas de todas as épocas querem saber como a mente funciona. Não necessariamente a parte técnica da neurofisiologia, mas o conceito mais amplo do que nos move, de quem somos nós, de qual a fonte do nosso livre-arbítrio. Por exemplo, Platão tinha a ideia dualista de que a inteligência humana (uma faculdade da mente ou alma) não pode ser identificada com o corpo físico, nem explicada a partir dele. Dois mil anos depois, Descartes também expressou pensamentos dualistas, identificando a mente com a consciência e diferenciando-a do cérebro, e formulando o problema mente-corpo numa forma que é usada até hoje.

O conhecimento da mente humana estava quase inteiramente no campo da filosofia. Embora seja possível que cada um observe a mente dos demais e que, por introspecção, explore a própria mente, as teorias propostas a partir destes métodos ainda não estão no campo da ciência.

Conforme a tecnologia avança, é possível realizar estudos mais complexos sobre a mente humana, como procurar correlação entre estados neuronais e sensações ou pensamentos. Desta forma, o que antes era puramente filosofia (com muitas possibilidades mas nenhuma certeza) vai aos poucos se transformando em ciência (quando as possibilidades vão sendo refutadas e resta algo cada vez mais próximo da certeza).

O problema é que ainda estamos muito longe de desvendar os problemas fundamentais, como por exemplo o problema difícil da consciência. Mesmo com toda a neuroimagem disponível, ainda só conseguimos explorar as estratégias que a mente usa para resolver problemas, mas não como surgem as sensações, ou qual a origem do livre arbítrio. Essa parte ainda é praticamente toda filosofia aguardando ser convertida em ciência.

Mas os cientistas de hoje têm a percepção de que a solução para os problemas mais fundamentais não deve vir nem nas próximas décadas. Ou seja, a atual geração estaria privada para sempre da resposta às questões mais intrigantes sobre a mente. Por isso, ainda bem que existe a filosofia, para que possamos ao menos especular sobre as possíveis soluções.

Com a filosofia é possível organizar todas as hipóteses que forem sendo sugeridas, ao mesmo tempo que cada pensador pode desenvolver com mais detalhe as teorias iniciadas no passado. Desta forma, embora não tenhamos a sonhada resposta, pelo menos podemos imaginar que ela está escondida no meio da vastidão das teorias disponíveis, e pensar nas consequências de cada uma delas para a nossa percepção da realidade. Se dependêssemos inteiramente da ciência, durante milênios estaríamos totalmente às escuras.

O lado negativo de filosofar é que podemos estar completamente equivocados, e que incontáveis teses de doutorado podem estar sendo escritas com base em vento.

Talvez uma das razões que nos levam a ser curiosos em relação à meditação também seja essa. É a nossa chance de conhecer um pouco mais sobre nossa mente, ainda que de forma um pouco nebulosa e ainda que haja o risco de tomarmos caminhos errados. Pessoas com milhares de horas dedicadas à meditação conhecem sensações novas para o restante da humanidade, e podem eventualmente criar teorias sobre a realidade do mundo a partir delas.

Não deixa de ser um trade-off interessante: a filosofia nos dá respostas já, mas as verdades estão escondidas em um oceano de ilusões. A ciência não nos dá muita coisa no curto prazo, mas no longo prazo faz com que o oceano seja a verdade e que as ilusões sejam as pequenas ilhas.

Entretanto, provavelmente esta conclusão (e o título do texto) não vale para áreas da filosofia como a ética, que não estão no campo de interesse da ciência objetiva.