sábado, 19 de janeiro de 2019

Geral vs. particular


Técnico: percebo um encadeamento sequencial dos esforços que fiz na vida. Primeiro aprendi a falar. Isso me possibilitou aprender a ler. Em seguida, mergulhei nos livros do assunto que descobri gostar, então fui para a faculdade, em um curso nesta linha. Depois, nisto vivi experiências práticas no trabalho; continuo lendo para conhecer novas ideias, participo de eventos com pessoas da mesma área que vêm de todos os lugares, onde cada um discute sua perspectiva e mostra os avanços que fez. Desta forma, tenho décadas de experiência em um tema e posso dar uma contribuição concreta para a humanidade, apresentar algo de novo que vai beneficiar a vida das pessoas, ao mesmo tempo que tudo servirá de base para os que virão avançar depois de mim

Filósofo: já eu também aprendi a falar e ler. Na escola, tinha algum interesse por todos os assuntos, mas não conseguia escolher nenhum como preferido. Na faculdade, naturalmente fiz um curso específico, mas, ao contrário de alguns colegas, não conseguia me desligar das outras possibilidades do mundo. Hoje, trabalho em uma área diferente daquela que estudei. Percebo que alguns colegas se dedicam profundamente a algum tema ligado à carreira, que pode levá-los a ser muito disputados. Já eu, sempre que posso, acabo lendo sobre assuntos de interesse pessoal que não têm contribuição direta na minha produtividade, de forma que não sinto estar investindo para lapidar alguma habilidade específica.

Técnico: eu já tive alguma tendência a isso também. Mas logo percebi que não me sentia confortável em um mundo diferente do meu. Primeiro, cada grupo tem seus jargões, seus métodos específicos. Seria um esforço hercúleo tentar dominar profundamente uma matéria que não conheço. Depois, o tempo que eu dedicaria em outra área não seria aproveitado para alavancar meus conhecimentos no meu campo. É quase como a teoria econômica: investindo naquilo que já sei me torno ainda mais único, como se fossem juros sobre juros, e investindo em algo que não domino, teria apenas um pouco de conhecimento geral a mais, não me diferenciando da massa.

Filósofo: percebo isso, e tenho consciência de que nunca chegarei a ser um às em nenhuma matéria, nunca ganharei milhões por deter algum conhecimento raro e cobiçado. Entretanto, não posso negar que me dá prazer conhecer o básico de cada coisa. É quase como a sensação de satisfação que temos ao acalmar alguma coceira no corpo. Quando começo a ir muito fundo em um assunto, sinto-me puxado para aqueles temas que abandonei, como se o mundo estivesse acontecendo lá fora e eu preso em um mesmo lugar. Tudo me puxa ao mesmo tempo, noto até ansiedade ao não poder abarcar as várias possibilidades concomitantemente.

Técnico: já o meu prazer vem de eu ser considerado raro, de tudo aquilo que construí pacientemente me colocar num lugar privilegiado, inacessível para maioria das pessoas. A satisfação de que me privei ao não conhecer várias coisas é compensada pela sensação de haver montado um castelo que não pode ser alcançado pelos concorrentes, já que estou alguns anos à frente da maioria deles.

Filósofo: percebo que há mistérios profundos que você domina e eu jamais teria a pretensão de conhecer. Da mesma forma, existem mistérios simples, dos mais variados tipos, dos quais posso dizer que tenho um conhecimento razoável, mas que não enxergaria se tivesse me dedicado a um único tema. Realmente não consigo me imaginar sem ter essa visão geral das coisas, que muitas vezes parecem se conectar e dar origem a uma compreensão integrada do mundo, ainda que certamente eu ignore dimensões inteiras.

Técnico: para mim é natural me concentrar longamente em um único problema; sinto o que dizem ser o "fluxo", e as horas passam sem eu o perceber. Também não ignoro a sensação boa que surge quando faço um avanço.

Filósofo: já eu às vezes me pergunto se não tenho algum déficit de atenção, pois sempre que me atenho a um assunto por mais que certo tempo, já sinto a necessidade de mudar de ares. Mas, também acho que posso contribuir com o mundo, se conseguir me dedicar a um projeto por tempo suficiente para produzir algo inspirador, ou que ajude as pessoas comuns a, de maneira leve, enxergar as coisas de modo mais conectado e abrangente...

Técnico: muitos acham que tenho uma vida invejável, que fiz tudo como deveria ser feito. Sem dúvida estou em uma posição respeitável. Também não posso reclamar financeiramente, pois sempre haverá alguma demanda pelo que posso oferecer.

Filósofo: como não ultrapasso o nível intermediário em qualquer assunto, percebo que sempre há alguém que sabe mais que eu. Desta forma, acabo não dando a palavra final nos debates, já que alguém com conhecimentos mais completos sempre tem alguma coisa mais a oferecer. Também no trabalho não me encontro em vantagem competitiva, uma vez que aquilo que sei fazer muitos também o fazem da mesma forma. Mesmo assim, buscar conhecer todos os aspectos do mundo, para tentar ligá-los, e com isso conseguir pensar sobre as grandes questões humanas, é algo de que não consigo abrir mão. Saciar a minha sede acaba sendo o meu trabalho, meu energético e minha recompensa..

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Especulação teórica sobre como nos comportar

Como ter a tranquilidade de um aposentado (que idealmente tem um fluxo de receitas e despesas sustentável até o infinito e não precisa ficar pensando no assunto) desde já?


Premissas

1) trabalhamos para sobreviver e guardar dinheiro para a nos aposentar (ou seja, não precisar mais trabalhar)

2) enquanto guardamos dinheiro, temos a tendência de ter preocupações financeiras (o dinheiro que estamos guardando precisa render mais e precisamos guardar mais)

3) na aposentadoria, precisamos ter dinheiro suficiente apenas para uma vida simples, mas tranquila (ou seja, sem preocupações financeiras quanto a guardar ou fazer o dinheiro render)

4) se começarmos a ter uma vida tranquila (sem preocupações financeiras) apenas na velhice, não conseguiremos aproveitar tanto como se começássemos agora

5) o trabalho faz parte do homem, ou seja, trabalhar traz sentido à vida

6) na aposentadoria, poderíamos dedicar a energia do trabalho para algo livre (analisar os fundamentos das principais empresas da bolsa e publicar as informações na internet, aprender econometria, aprender a fazer discursos)


Consequências

1) se pararmos de trabalhar agora, teremos dinheiro suficiente para a aposentadoria e aproveitaremos mais a vida (premissa 4), mas não teremos o prazer que o trabalho traz enquanto sentido (premissa 5)

2) se trabalharmos até a velhice, teremos bem mais dinheiro que o suficiente para a aposentadoria, e teremos o prazer que o trabalho traz enquanto sentido (premissa 5), mas não poderemos aproveitar tanto a vida (premissa 4)

3) se pararmos de trabalhar agora e, para termos o prazer que o trabalho traz enquanto sentido (premissa 5), trabalharmos com algo livre (premissa 6), estaríamos fazendo algo análogo ao que poderíamos ter feito sem parar de trabalhar, mas ganhando menos dinheiro

4) a maneira de, ao mesmo tempo, aproveitar mais a vida (premissa 4) e ter o prazer que o trabalho traz enquanto sentido (premissa 5), é continuar trabalhando sem se afetar pelo fato de que o dinheiro precisa render mais e precisamos guardar mais, até porque, como continuaremos trabalhando, mesmo que o dinheiro não renda muito e mesmo que não guardemos tanto, teremos o o suficiente para a aposentadoria na velhice

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Referência circular



Trabalho para poder comer bem
Como bem para conseguir trabalhar melhor

Trabalho bastante para poder dormir com conforto
Dormir um bom sono me ajuda a trabalhar bastante

Trabalho para poder comprar roupas boas
Compro roupas boas para usar no trabalho

Trabalho para poder descansar no domingo
Descanso no domingo para render mais na semana

Dizem que o homem, ser social, precisa do convívio com os demais
Pois é no trabalho que tenho os amigos do dia a dia

O homem também deve se divertir
Para isso existem as risadas sobre colegas e a chefia

O trabalhador trabalha para viver
E vive para trabalhar?

Pode parecer referência circular
Mas quem sabe é uma identidade...
E o homem não trabalha, mas é trabalho