quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O sentido da vida no humanismo, segundo Y. Harari

Trecho do Livro Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, capítulo 7


À medida que os humanos adquiriam confiança em si mesmos, uma nova fórmula para alcançar um conhecimento ético se revelava: Conhecimento = Experiências x Sensibilidade. Se quisermos ter a resposta a qualquer questão ética, precisamos nos conectar com nossas experiências interiores e observá-las com a máxima sensibilidade. Na prática, isso significa que estamos em busca de conhecimento quando passamos anos reunindo experiências e aguçando nossa sensibilidade de modo a compreender corretamente essas experiências. (...) Devo estar aberto a novas experiências e permitir que elas mudem minhas opiniões, meu comportamento e até mesmo minha personalidade.

Experiências e sensibilidade se incrementam reciprocamente num ciclo interminável. Não sou capaz de experimentar nada se não tiver sensibilidade, e não sou capaz de desenvolver sensibilidade a menos que passe por uma variedade de experiências. A sensibilidade não é uma aptidão abstrata que eu possa desenvolver lendo livros ou ouvindo palestras. É uma aptidão prática que só pode amadurecer e se consolidar quando aplicada na prática.

Tomemos, por exemplo, o chá. Começo tomando um chá comum muito doce, enquanto leio o jornal matutino. O chá não é muito mais do que um pretexto para me dopar com açúcar. Um dia eu me dou conta de que, entre o açúcar e o jornal, quase não sinto o gosto do chá. Então, reduzo a quantidade de açúcar, ponho o jornal de lado, fecho os olhos e me concentro no chá. Começo a perceber seu aroma e paladar únicos. Logo me vejo fazendo experiências com diferentes tipos de chá, pretos e verdes, comparando seus sabores deliciosos e os delicados buquês. Em poucos meses, abandono os rótulos de supermercado e compro meu chá no Harrods. Desenvolvo um gosto especial pelo "chá Esterco de Panda" das montanhas de Ya'an, na província de Sichuan, feito com as folhas de arbustos de chá que foram fertilizados com o esterco de pandas. É assim que, uma xícara de cada vez, eu aprimoro minha sensibilidade ao chá e me torno um conhecedor. Se, nos meus primeiros tempos de tomador de chá, você me servisse um chá Esterco de Panda numa taça de porcelana da dinastia Ming, eu não o apreciaria mais do que aprecio um chá comum num copo de papelão. Não se pode realmente experimentar algo se não se tem a sensibilidade necessária, e não se pode desenvolver a sensibilidade a não ser passando por uma longa sequência de experiências.

O que vale para o chá vale para outros conhecimentos éticos e estéticos. Não nascemos com uma consciência sob medida e pronta para ser usada. No decurso de nossa vida, magoamos pessoas e pessoas nos magoam, agimos compassivamente e outros demonstram compaixão para conosco. Se prestarmos atenção, nossa sensibilidade moral se aguçará, e essas experiências podem se tornar uma fonte de valioso conhecimento ético sobre o que é bom, sobre o que é correto e sobre quem realmente eu sou.

Assim, o humanismo vê a vida como um processo gradual de mudança interior, que parte da ignorância e chega à iluminação por meio de experiências. O mais alto objetivo de uma vida humanística é desenvolver completamente seu conhecimento mediante uma grande variedade de experiências intelectuais, emocionais e físicas. No início do século XIX, Wilhelm von Humboldt - um dos principais arquitetos da educação moderna - disse que o objetivo da existência é a "destilação da mais ampla experiência de vida possível para formar sabedoria". Ele escreveu também que "só existe um ponto culminante na vida - ter tomado as providências necessárias para sentir tudo o que é humano". Este bem poderia ser o lema do humanismo.