Sabemos que a confiabilidade do ChatGPT, ou qualquer outro modelo generativo, não é grande. Eles são especialistas em produzir textos que parecem reais, e em responder perguntas com confiança.
Mais ou menos como um político citando fatos e números, cuspindo grandes quantidades de informações importantes, mas difíceis de serem comprovadas de pronto.
Matematicamente, para um texto verdadeiro e preciso, é possível escrever milhões de variações igualmente convincentes, mas erradas. Ou seja, se houver aleatoriedade, a chance de sermos enganados nos detalhes é considerável.
Mas meu objetivo não é falar sobre estes modelos, e sim sobre livros normais. O ChatGPT é uma revolução que explodiu na década de 2020, enquanto os romances existem há milênios.
O meu ponto é que essas ficções todas podem padecer dos mesmos problemas que os modelos artificiais de linguagem. As chamadas alucinações, que parecem ser um problema novo para a humanidade, talvez já existam desde sempre. Neste caso, sempre fomos enganados por sutilezas.
Eu me refiro especificamente à construção psicológica dos personagens de um livro. Podem ser profundos, interessantes. Mas será que poderiam ser reais?
Um livro não é a realidade, apenas a imaginação do escritor. E esse escritor tem muitos objetivos ao fazer um personagem. Precisa criar uma personalidade interessante, que se encaixe na história, e tenha características com as quais o leitor se identifique.
Construir um personagem é um cálculo complexo, como achar uma peça que se encaixe em um grande quebra-cabeças.
Mas esse não é o principal problema. A questão é que não basta o autor saber escrever bem, nem ter pesquisado fatos históricos para enriquecer a história. Para que os personagens sejam realistas, o autor precisa ser um profundo conhecedor da psicologia humana.
E acho que essa é a grande questão.
Claro que não me refiro aqui a Shakespeare ou aos grandes escritores russos, que são elogiados justamente por seu conhecimento da natureza humana. Tampouco me refiro aos personagens "arquétipos", cujo objetivo é ser um modelo para o leitor se espelhar, explorando a fronteira do impossível.
Me refiro aos autores de best-sellers modernos, de histórias de detetive, dos textos analisados nos clubes do livro.
Em geral, os personagens não me parecem muito realistas. Costumam ter uma obstinação fora do normal, ou saber bem demais o que querem, ou ter comportamentos improváveis, ou capacidades que não são do homem médio e talvez de nenhum homem.
Claro que, para o leitor mais interessado no suspense da história, na criatividade do romance, na viagem mental que a literatura proporciona, tudo isso pode ser secundário.
Mas, como ler um livro é algo que demanda tanto tempo, e algo que deveria trazer conhecimento, faz sentido achar normal um personagem que jamais existiria na vida real?
Concluindo, acho que os autores têm o incentivo para produzir pessoas apenas críveis, que pareçam reais, mesmo que talvez sejam impossíveis de existir na vida real. Tal como o ChatGPT.
O leitor pensa estar diante de uma obra de "arte que imita a vida", mas está apenas lendo um Frankenstein de características psicológicas misturadas, que por fim resulta em um mundo artificial.