quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Angústia da influência

Grandes gênios eram famosos há séculos e continuam sendo hoje. É o caso de Aristóteles, Arquimedes, Cervantes, Galileu, Newton, Beethoven, Gauss, Machado de Assis, Van Gogh e tantos outros. E entraram para este time pensadores mais recentes, como Einstein e Bohr. É provável que daqui a mil anos essas pessoas continuem sendo conhecidas e veneradas por terem fundado novas áreas do conhecimento e da expressão humana.

Entretanto, o que as sociedades do futuro pensarão sobre o seu papel na história? No passado, "o mato estava mais alto", e grandes inteligências eram capazes de individualmente realizar progressos monumentais na ciência e nas artes.

Agora, as "low hanging fruits" não estão mais disponíveis, e gênios tão brilhantes quanto Einstein não causarão impactos que tornarão seus nomes famosos para a população em geral. 

Ou seja, de um milhão de mentes capazes de mudar mundo, apenas um punhado viveu antes do século XXI, no lugar e na hora certas que lhes deram a chance de produzir algo fundamental e grandioso.

Se continuarmos eternamente louvando sempre os mesmos gênios precursores, isso não será uma falta de sensibilidade com seus pares do futuro, os quais, ainda que dediquem a mesma energia e talento, serão esquecidos porque nasceram depois?

Será que a interpretação das sociedades do futuro não será radicalmente diferente da nossa, no sentido de reinterpretar a história da ciência, e dividir igualmente os méritos entre todas as gerações de cientistas esforçados? Caso contrário, pouco restará para os gênios do futuro, a não ser viver sempre à sombra de heróis míticos da era da pena. Cada vez mais será verdade que "Nada se diz que não tenha sido dito antes", como falou o dramaturgo Terêncio há mais de dois mil anos.

Que exemplo daremos para os jovens alunos de agora em diante? A ciência básica já foi praticamente descoberta, com a maior lacuna talvez sendo a natureza da consciência. Os lugares no Olimpo da música e da literatura já foram ocupados. Os nomes de teorias que são ensinadas nas escolas já estão definidos. Agora só resta espaço para colaborações de grandes times quase anônimos, ou para uma arte mais efêmera. Como manteremos a humanidade motivada e com propósito para enfrentar a aventura da criação científica de artística?


Sociedade da experiência

Assim como foi caracterizada a sociedade do cansaço, podemos igualmente identificar que no tempo presente configura-se a sociedade da experiência.

A obrigação que todos se impõem de não deixar nenhuma lacuna no bingo das experiências possíveis acaba por ser fonte de ansiedade e insatisfação.

Paradoxalmente, mesmo os que logram viver um espectro de experiências impensável para o ser humano de um século atrás preocupam-se mais com o ainda não vivido, com o imperdível que eternamente os assombrará.

Repete-se cada vez mais que a vida é finita, e portanto seria um desperdício e um erro incorrigível deixar de ter as principais experiências do nosso tempo.

Se chegou na cidade uma nova sorveteria, que inclusive por muitos é considerada a melhor, não posso deixar de conhecê-la, ainda que isso signifique enfrentar longas filas.

Se uma banda que tornou-se famosa nos tempos antigos ainda se apresenta, preciso assistir, para no futuro poder dizer que presenciei um momento histórico que não existirá mais na história do mundo.

Se a maioria dos influenciadores fala como é surpreendente viajar para um país distante na Ásia, não posso morrer antes de conhecer este lugar, sob a pena de ficar sem vivenciar uma atmosfera única.

Viajar de trem, ver neve, ir para o Japão, fazer crossfit, comer pistache, ler os clássicos, se estressar no trabalho. É trabalhoso ser uma pessoa completa.

Antes de pensarmos em planejamento de vida, nossa agenda já está cheia com listas de experiências imperdíveis, sem as quais não atingiremos a plenitude do ser humano.

 

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Singularidade

O conceito de singularidade do livro de Ray Kurzweil tem a ver com um momento em que a tecnologia começa a se auto melhorar de forma exponencial, e a partir daí o mundo fica incompreensível sob a nossa perspectiva atual.

Já neste texto, o significado de singularidade é diferente: elas aconteceram de forma recorrente na história da humanidade, se materializando em saltos que alteraram a própria natureza da sociedade.

Por exemplo, pode ter ocorrido uma singularidade quando o ancestral do ser humano desenvolveu habilidades que o separaram dos demais habitantes do planeta, como a capacidade de aprender com as gerações anteriores, e construir novas tecnologias a partir daí.

Isto claramente representou uma quebra de paradigma, permitindo a evolução exponencial. Sem essa capacidade, uma espécie animal podia viver milhões de anos com pouquíssimas mudanças, padecendo dos mesmos problemas de sempre. A partir do momento em que o humano conseguiu conscientemente melhorar aquilo que lhe foi ensinado pelos outros, em 100.000 anos saímos da idade da pedra para a idade dos chips.

Outra singularidade foi a invenção da imprensa. Hoje não temos acesso às obras de Homero, Platão e Arquimedes. Apenas fragmentos. A maior parte dos textos originais foi perdida. O que chegou até nós era transmitido oralmente ao longo dos séculos, ou copiado e recopiado manualmente, sempre com risco de alteração ou destruição. Mas, a partir da imprensa, um número arbitrário de cópias se tornou possível, e qualquer texto produzido a partir de então que tenha atingido um nível mínimo de importância chegou até os dias atuais intacto.

O compartilhamento de mídias na internet representa outra singularidade. Se antes era quase impossível que a opinião de um brasileiro comum chegasse até um japonês, agora isso é instantâneo. Todos podem disponibilizar publicamente textos, imagens e sons, que ficam acessíveis instantaneamente em qualquer lugar do mundo. Ou seja, antes o que era incerto e lento, agora é garantido e imediato. O tempo de compartilhamento de mídias foi reduzido para zero, e o tamanho das informações compartilháveis é virtualmente ilimitado. Todos têm acesso a todo o conteúdo que já foi produzido pela humanidade com alguns cliques.

De forma semelhante, com a invenção do smartphone e da disponibilização massiva de serviços online, tudo mudou novamente. As modas se propagam instantaneamente por todo o planeta. Os padrões de qualidade e objetos de desejo se tornaram mais ou menos os mesmos em qualquer lugar. Todos podem avaliar tudo, e com isso influenciar os demais. Opiniões de especialistas em qualquer assunto podem ser acessadas igualmente por todos, não existindo mais ilhas ou monopólios de conhecimento.

O próximo exemplo talvez seja a produção automatizada de conteúdo. Textos comentando todo e qualquer assunto inundarão cada centímetro quadrado do mundo digital. Existirão mais reportagens e notícias diferentes sobre cada assunto do que leitores. Marcas poderão abarrotar as redes com comentários "orgânicos" e réplicas personalizadas a reclamações. Dublagens, "stock photos", cursos, tudo será produzido à exaustão com custos irrisórios.

E futuros casos podem ser a geração ilimitada de energia, a  partir da fusão nuclear, que pode dar origem a muitos novos usos com custo irrisório. Outro exemplo seria se a humanidade conseguir construir robôs capazes de gerenciar e até construir fábricas, situação em que passaríamos rapidamente para um cenário de "classe inútil" no conceito de Harari.

Quando conseguirmos criar um robô que cozinhe e lave a louça, e chegar o momento em que for possível uma linha de montagem produzir inúmeras cópias idênticas, de uma hora para outra todos os que puderem pagar terão à sua disposição um restaurante particular, capaz de preparar qualquer prato do mundo com perfeição.

Então não é só quando a tecnologia conseguir se auto aperfeiçoar que haverá um salto exponencial. Ele já ocorreu várias vezes e continuará acontecendo, a cada vez que alguma tecnologia tornar preciso algo que era impreciso, ou instantâneo algo que demorava algum tempo.


sábado, 20 de setembro de 2025

A grandiosidade do ser humano

Como o homo sapiens pode ser tão incrível?

Todas as bilhões de pessoas do mundo, mais as 100 bilhões que já viveram no planeta nos últimos 50.000 anos, demonstram enormes habilidades.

Imagine a complexidade de dirigir um veículo. É preciso estar atento a uma enorme quantidade de variáveis a cada instante, além de ter um senso de localização que demanda a construção de um mapa mental. E um bilhão de pessoas fazem tudo isso sem muito esforço, em qualquer cidade de qualquer país.

E como os humanos conseguem tocar instrumentos musicais? Como um baterista sabe exatamente em que instante precisa bater em cada tambor, a uma velocidade assustadora, em centenas de músicas diferentes? Como os humanos conseguem memorizar letras de músicas após ouvi-las poucas vezes?

Quando vemos uma pessoa competente fazer um discurso, em poucos minutos ela consegue abordar assuntos extremamente diversos e abstratos, como filosofia, saúde, cotidiano, política, arte, estrutura organizacional das empresas. E todo mundo acompanha perfeitamente.

Em qualquer cidade do mundo, há alguém capaz de construir uma casa, consertar um carro ou tocar um violão.

Como um humano médio consegue transitar entre tantos temas profundos e complexos, cheios de edifícios conceituais, de forma natural? Produzir metáforas, generalizações abstratas, criar universos fantásticos, dominar a cultura pop, arquitetar planos grandiosos, cozinhar pratos de qualquer culinária?


Muito autor para pouco tempo coletivo disponível?

O que os professores mais querem são alunos atentos, receptivos à sua proposta pedagógica, e que fiquem satisfeitos com sua cuidadosa didática. Que maravilha uma plateia ouvindo atentamente suas teorias, piadas e reclamações

O que os músicos querem é que o público entre em êxtase coletivo ao som de sua música. Prova desse desejo é a imensa concorrência para ser gravado e ouvido

O que os escritores querem é que leitores passem horas imersos no mundo que criaram, e fiquem maravilhados com suas analogias perspicazes. Muitos autores dispendem consideráveis valores do próprio bolso em autolançamentos não solicitados

O que os Youtubers querem, além do dinheiro, é que o máximo possível de pessoas fique até o fim do vídeo e achem seu conteúdo útil

O que os podcasters querem é que os ouvintes dediquem horas para escutar atentamente suas intermináveis conversas


Talvez a produção de conteúdo seja muito mais prolífica do que a necessidade da humanidade

Tudo isso é apenas vaidade?

É uma necessidade de deixar um legado objetivo que transcenda o tempo da vida daquele que se expressa?

É para tentar estabelecer uma conexão com as pessoas, de forma que elas sintam o mesmo prazer que o criador do conteúdo sentiu durante o processo de criação?

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Como satisfazer a necessidade humana de expressar sua criatividade, se não há como todo mundo ter um público?

Produzir uma obra considerando que jamais será conhecida por nenhuma outra pessoa é algo válido, ou um ato absurdo?

Do ponto de vista do consumo de conteúdo, é melhor se dedicar às obras canônicas, que são antigas e universais? Ou é mais significativo se dedicar aos conteúdos produzidos por pessoas contemporâneas e locais, muitas vezes conhecidas, ainda que não atinjam o mesmo nível de profundidade dos clássicos?


segunda-feira, 12 de maio de 2025

Novos aforismos

Nas ciências sociais, a exceção comprova a regra; nas ciências extas, invalida a regra.

Livros de citações são o TikTok dos intelectuais.

Se uma pessoa só aprende verdadeiramente algo quando ensina, então, para que todos aprendam, é necessário que todos ensinem, mas aí faltariam alunos.

O pensador escreve o livro para si mesmo, pois, para seus leitores, seria melhor se estivessem ocupados escrevendo seus próprios livros.

Chega uma hora em que escrever é mais produtivo que ler.

Quando você acaba de comer é fácil pensar em começar uma dieta.

Em um mar de processos a burocracia navega, nunca podendo esquecer que é apenas o barco e não o destino.

Cada palavra supérflua redigida em um parecer e cada segundo consumido pelos rituais de uma reunião são pedaços da vida do servidor público tragados pela força gravitacional da burocracia estatal, a qual inexoravelmente se retroalimenta até colapsar, quando se torna um fim em si mesma.


Citações - Parte 3

O tempo que você gosta de perder não é tempo perdido - Marthe Troly-Curtin

Há duas maneiras de chegar em casa; e uma delas é permanecer lá. A outra é dar a volta no mundo inteiro até retornarmos ao mesmo lugar - Chesterton

Nada é suficiente para quem o suficiente é pouco - Epicuro

A verdadeira jornada da descoberta não consiste em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhos - Marcel Proust

Todos nós devemos sofrer uma das duas dores: a dor da disciplina ou a dor do arrependimento. A diferença é que a disciplina pesa gramas, enquanto o arrependimento pesa toneladas - Jim Rohn

A forma mais invisível do tempo perdido é fazer um bom trabalho numa tarefa sem importância - James Clear

Somos culpados pelo que fazemos, mas não pelo que sentimos - Rubem Alves

A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente - Rubem Alves

Os turistas não sabem onde estiveram; os viajantes não sabem para onde estão indo - Paul Theroux


Simplicidade

A simplicidade é o último grau da sofisticação - Leonardo da Vinci

Para todo problema complexo existe uma solução simples, elegante e errada - paráfrase de citação de H. L. Mencken

Na mente do principiante há muitas possibilidades; na mente do especialista há poucas - Shunryu Suzuki

Tudo deve ser feito tão simples quanto possível; mas não mais simples que isso - atribuída a Einstein

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade com muito trabalho - Clarice Lispector


Especialista e generalista

A jack of all trades is a master of none, but oftentimes better than a master of one

Não ver a floresta por causa das árvores.

Se você olha a floresta, você não vê as árvores

Especialização é para insetos - Robert Heinlein

O especialista aprende mais e mais sobre menos e menos, até que ele finalmente conhece tudo sobre nada - Konrad Lorenz

O generalista é alguém que sabe menos e menos sobre mais e mais, até que eventualmente ele não sabe nada sobre tudo - Nicholas Butler