quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A liberdade não existe

por Alberto Ronconi


Na Revolução Industrial os operários não eram livres. Trabalhavam não raro 16 horas por dia, desde a infância. Não tinham tempo para o lazer, para estudar ou para quaisquer atividades que tivessem vontade. Por isso pode-se dizer que não tinham liberdade.

Hoje a maioria das pessoas trabalha em torno de 8 horas por dia, dispondo assim de bem mais tempo que os trabalhadores de dois séculos atrás para fazer o que bem entenderem. Mas muitos preferem usar as horas livres investindo em aprendizado que os ajudará em suas carreiras. Outros optam por lazer (geralmente passivo), alegando que só assim descansam para o próximo dia de trabalho. Dependendo do ponto de vista, embora agora se tenha muito mais conforto e um padrão de vida absolutamente superior, não se pode dizer que se goza de liberdade.

Mas o que é ser livre? O que uma pessoa deveria fazer em seu tempo ocioso? O que bem entender, dirão alguns. Se um indivíduo fica 4 horas a fio assistindo letargicamente a programa atrás de programa, é isso o que está com vontade de fazer, logo está exercendo sua liberdade.

Entretanto, pode-se argumentar que ele não é livre, apenas refém da preguiça e da apatia. A liberdade requer libertação das amarras mentais, pensamentos depressivos, déficit de atenção, transfornos, fobias, estafa.

Supondo agora que alguém tenha conseguido controlar essas limitações, será livre para fazer o que quiser?

Depende. Se forem levadas em conta a lógica e a ética, a liberdade de um não pode limitar o direito do outro, caso contrário seria impossível a vida em sociedade. Só isso já imepede que liberdade signifique "fazer o que quiser quando quiser" - moral de Os Irmãos Karamazov.

Continuando, a mesma lógica nos priva de fazermos mal gratuito a nós mesmos. Seria uma liberdade contrária ao bom senso. Claro que alguém pode ter atitudes absurdas apenas para sentir-se livre em maior grau, mas fazendo algo que não traz benefício para ninguém. Logo, como liberdade prática isso não faz sentido.

Mas é possível analisar o fazer mal a si mesmo em um sentido mais amplo. Por que alguém ficaria se martirizando na cama depois do despertador tocar? Por que alguém comeria mais do que deve apenas para o sentimento de culpa eclipsar o prazer? Por que gastar as melhores horas da vida assistindo passivamente às mais diversas atrações criadas para entretenimento? Embora haja a liberdade teórica de se fazer isso, na prática também não vale a pena.

Já conseguimos limitar sobremaneira o conceito da liberdade: só é interessante fazer algo positivo para si mesmo ou para a humanidade.

Quanto mais se pensa, mais se percebe que várias atividades não fazem o menor sentido, e poucas são importantes (na verdade mandatórias) de fazer quando se usa o bom senso. O conhecimento restringe as possibilidades de atuação, enquanto a ignorância multiplica para mil coisas inúteis.

Você poderá argumentar: sou livre para escolher entre beber cerveja ou vinho, trabalhar com direito ou engenharia, ter filhos ou não, ser consumista ou minimalista.

É claro, mas muitas dessas escolhas são unicamente função de nossas características inatas, como habilidades, compatibilidade genética, ou nosso perfil psicológico. Decidir tomar água não é uma demonstração de liberdade, e sim uma prova de como somos indissoluvelmente ligados a necessidades físicas e preferências genéticas que não escolhemos.

E no fim das contas não faz diferença se bebemos café ou chá, e sim a vida como um todo que construímos para nós, acima da escolha da profissão ou do modelo do carro. Existem vários caminhos para se chegar a um lugar, mas certamente alguns são melhores que outros, e qualquer um consciente disso escolheria pegar o mais proveitoso.

Em última instância todos querem ser ricos (não simplesmente de dinheiro, mas de conhecimentos, habilidades, felicidade). Que liberdade é essa, que leva todo mundo a buscar os mesmos objetivos?


Atualização (8 de junho de 2012): aqui de certa forma foram trazidas ideias sobre o livre arbítrio, com inclinação ao determinismo. Outro texto interessante aqui: parte 1 e parte 3

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